É coisa minha



























“Já pensou quando o Matheus ficar velho?”, jogou minha amiga sobre quem iria me aguentar, depois de eu soltar mais uma das minhas manias de organização-fiscalização-“Por que tal coisa está de tal jeito?”. Entre ter um cachorro, uma calopsita ou superar o pavor de gatos para ter uma companhia na velhice, eu escolho aceitar que isso, simplesmente, é coisa minha. Mais uma, de tantas.

Não vão ser animalzinho, namorado, amante, marido, filhos de amigos – os próprios amigos – e parentes os responsáveis por mim na velhice, assim como não são hoje. Com ou sem companhia, somos e seremos sempre nós por nós mesmos. Partiu aceitação?

A real é que ninguém se importa de verdade com o outro. Nem tem tempo para isso. Ou interesse genuíno. Me incluo e esse texto é mais um exercício para melhorarmos no for possível como pessoas.

Perguntamos sobre o outro simplesmente por educação – comportamento que morre um pouco a cada possibilidade de manifestação na internet – ou para saber se aquilo que o outro tem para dizer se encaixa ou não nos nossos padrões. É o "Não" para o "Entender" e o "Sim" para "Julgar" ou comentar, printar, dar like, talvez até a deixar de seguir.

Comentei com outra amiga que estou conhecendo uma pessoa que está me fazendo bem. Na sequência de mensagens pelo WhatsApp, recebi: – Quantos anos o moço tem? Eu: – 25. Ela – Idade boa.. Mora sozinho? Tem carro?.

Daí para frente eu já tinha me arrependido de comentar sobre a experiência. Bem feito para mim. Afinal, isso é coisa minha.

Em um mundo em que quem não assiste a mesma série que você não serve para conversar, com quem vamos compartilhar as nossas questões?

Terapeutas vão continuar rachando de faturar, pois têm o dever de ouvir sem julgar. Quem não puder pagar, também vai rachar... De chorar, beber, dormir. Sei lá. Ou viver de esconder suas experiências, se isolar, guardá-las até chegar o dia de, literalmente, enterrá-las.

Para mim o interesse genuíno sobre o outro só é possível a partir do amor. Amar, sim, é trocar sem planejar. Receber e só agradecer. Oferecer e desencanar.

Eu escreveria sorte, mas vou trocar por milagre. Milagre de quem possui essa troca genuína na velhice. Não falo de estar com alguém, casamento ou visita em leito de hospital ou casa de repouso. Eu falo da entrega para alguém.

Aqui eu trago de volta a palavra sorte, mais acessível que o milagre. Sorte de quem é ouvido com profundidade, com os olhos serenos, a mente tranquila e o coração aberto de quem nos recebe. Seja quem for, quando, onde, como e por quanto tempo for. Aí sim é coisa nossa!

Às vezes um até então desconhecido está mais interessado no que temos a dizer que alguém que convivemos há décadas. Pode ser um jantar com o paquera de beijo desengonçado que se tornou um novo e bom amigo, com uma amiga da sua mãe, que você acaba de conhecer em uma roda de samba ou deitado no colchão do moço sem carro, enquanto cada um compartilha a sua história até ali.

Se não for assim, tudo isso é coisa sua. Só sua. E mesmo quando eu tenho a sorte dessa troca de interesse mútuo, até isso é coisa minha.



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Comentários

Hugo O. disse…
A maioria das pessoas preferem julgar, apontar e falar de futilidades. A questão é que realmente ninguém está, de fato, interessado em saber como nós estamos e isso é triste. As redes sociais fomentam o ideal de vida perfeita, a vida do outro. Relações líquidas, como postula Bauman, as quais se dissolvem ao menor sinal de divergência de interesses ou intelectual.

São tempos difíceis pra quem se importa de verdade..
Obrigado pelo comentário, José Hugo. Definitivamente tempos difíceis para quem se importa de verdade e para acreditar que isso vai mudar um dia.