Por que não conheci a Rita, antes? Talvez porque seu melhor momento seja o agora. Não
falo da Rita conhecida por cantar a música do vampiro e a do perfume. Gosto de
conhecer a Rita Lee de aqui. Ali, velhinha. Aposentada. Aquietada depois de uma
vida de carinho e de porrada.
Falo
da Rita que escreveu sua biografia e me surpreendeu não só pelas experiência e
verdade maravilhosas, mas pela liberdade de quem erra e acerta lindamente - e escreve igualmente. Típico de quem sempre aprende.
Diz
ela que escreveu a biografia assim, ao estilo senhorinha, devagar, nos intervalos entre brincar
com seu pet e cuidar de seu jardim, digitando aos poucos em seu... Tablet.
Conseguem imaginar? Me ganha.
Seu
lançamento da vez é o livro “Dropz”, uma coletânea de contos que deve reunir
mais toques em sua "tela de escrever" com análises sobre ela e criações de uma cabeça que
só a dela.
Ainda não o li. Mas mesmo que eu não leia de capa a capa, já me
desmanchei com a leitura deste texto que compõe a publicação.
Feche
os ouvidos. Pense na Rita jovem rebelde e na Rita idosinha de franjinha, grisalhinha, enquanto você lê cada uma dessas linhas.
Eis–me
Eis‑me
aqui viva, mera mortal, filosofando sobre a vida, sobre Deus, sobre a crise
mundial. Vem‑me à cabeça minha herança e lembro de mim criança, depois
adolescente e assim como todos, carente. Muito antes que depois fui mutante,
mulher e amante. Eis‑me aqui perdida no futuro do presente, neste mundinho
esquisitão, sobrevivente da bobalização. Meio insatisfeita sou a sujeita do
verbo ser star, estrela perdida no índigo do céu, pés no chão, cabeça na lua,
coração ao leo. Homens não sabem como dizer adeus, mulheres não sabem quando.
Posso resistir a tudo, menos à tentação, e descobri que sou quem eu estava
esperando. Eis‑me aqui dia seguinte profissa, espreguiça, lava a cara, escova
dente e cabelo, dá uma piscada pro espelho e parte pra rotina de dar bons‑dias.
Trabalho como se não precisasse do dinheiro, danço como se ninguém estivesse me
olhando e perdoo meus inimigos, nada os deixa mais putos. É uma pena que
estupidez não cause dor. Eis‑me aqui caidaça no meio da naite, birinaite,
cachaça, me levo pra casa depois de muito blá‑blá‑blá, chego e ainda como um
resto de pizza com guaraná. Dou um suspiro, respiro, me inspiro e piro na
maionese de mim mesma, esta lesma lerda que não sabe por que caiu, nem onde
escorregou. Eis‑me aqui confusa, uma estúpida com raros momentos de lucidez,
minha consciência limpa é sinal de memória fraca, um boato que entra pelo
ouvido e sai por muitas bocas, depois eu é que sou louca. Tusso na frente de um
fumante para ele se sentir culpado, depois queimo meu baseado na calada da noite,
lá fora o frio é um açoite, então fecho os olhos, não se preocupe comigo, eu
apenas estou morrendo. Ei‑me aqui odiando o amor, me abrace por favor, chego à
conclusão de que talvez esteja errada, na esperança nada permanece, só a
mudança. Estranhos são amigos esperando eu os encontrar, hay mucho que hacer,
calo a boca e sorrio, seria engraçado se não tivesse acontecido comigo. Eis‑me
aqui na mesmice, nunca vou perdoar as palavras que não disse, não tenho
preconceito, neste mundo odeio tudo igualmente e quando não consigo convencer
eu confundo, melhor te amar, se tenho medo da solidão melhor não me casar. Eis‑me
aqui bem‑amada, Houston, we have a problem, minha namorada é homem, sou o
oposto da puta porque estou pouco me fodendo, não estou podendo tanto assim, ai
de mim que não sei se acendo uma vela ou se xingo a escuridão, ando tão sem
tempo de tanto assistir televisão. Eis‑me aqui falada, mal‑bem‑amada, o vestido
mais bonito uso para ser despido, a vida é tão tranquila que devia emitir
atestado de óbito, é óbvio que uma das coisas que me dão mais prazer é fazer o
que não devo, vou comer e aproveitar até a última mastigada. Eis‑me aqui me
despedindo de mim depois de vomitar a alma, felicidade é a minha direção não
meu destino, me peça para ter calma, antes de rezar vou me perdoar, antes de
desistir vou tentar, antes de falar vou escutar. Eis‑me aqui renascendo, sendo
mais eu do que jamais fui, de que me adianta falar bem se estou errada no que
digo, não me ofereça sua sabedoria, me dê apenas um copo d’água, uma fatia de
pão e um pouco de circo. Só não posso viver com quem não consegue conviver
comigo, nessas eu tive foi sorte. E se você não salvou minha vida, pelo menos
não arruíne minha morte.
Eu tentando trabalhar em uma boa foto para o blog com o livro "Rita Lee - Uma autobiografia", enquanto meu namorado tumultua a minha serenidade.
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