A revista Época é a única semanal que leio
com gosto. Bons assuntos e textos leves para nos informar sem nos cansar depois
daquela maravilha de semana de pepinos. Entre os colunistas: Walcyr Carrasco,
jornalista e autor. Na crônica da edição desta semana, ele fala sobre o
casamento sem sexo e a busca louca das pessoas por algo que muitas vezes elas
mal entendem o motivo daquilo que procuram. Com uma bela conclusão dos pontos
colocados para refletirmos, leia na íntegra. E comente.
E quando o desejo
acaba?
Exige-se hoje que
todo mundo minta sobre a vida sexual, que aparente uma vibração adolescente
WALCYR
CARRASCO
16/06/2015
– Revista ÉPOCA
Eles
se conheceram no final da adolescência. No início foi aquele furor. Pais e mães
enlouquecidos tentavam separar o casal, com medo de uma gravidez súbita.
Inútil. Tudo era pretexto para sexo: viagens para a praia, mesmo em barracas, com areia nos lençóis;
fugidinhas de festas e baladas, no carro, às pressas. O casamento foi um alívio
para as famílias. E os bebês vieram, três no total. A cada filho, ela se
tornava mais distante. O bebê dormindo entre o casal, como fazer? Ela nem
sempre estava disposta. Dor de cabeça, cansaço.
–
Não é fácil dar conta do trabalho, das crianças, da casa!
Ele,
compreensivo. Ela aceitava tamanha compreensão como uma qualidade. Dentro do
trabalho, ele era estimulado a ter aventuras. Evitava. Se os amigos saíam para
beber, ia embora mais cedo. Diziam que era meio “careta”. Mas de fato ele
também não sentia tanta falta. O não desejo dela o compensava. Nunca se sentia
desafiado. E o casamento durou anos. O semanal tornou-se mensal, semestral,
anual e depois foi deixado de lado, enquanto os filhos cresciam.
Mas
um dia – sempre tem o dia – ele conheceu alguém. Muito mais nova, com o mesmo
ímpeto de sua mulher nos primeiros tempos. Ela percebeu as escapadas, as
desculpas. Falou com um terapeuta, depois outro. Sentia-se traída. Afinal, não
havia uma espécie de acordo mútuo? Estimulada por uma amiga, partiu para uma
experiência selvagem. Tentou fazer sexo oral no carro. Teve nojo. Ele,
murchinho, fechou a braguilha. Os dois sentiram-se frustrados, incapazes. Em
casa, ela correu para gargarejar.
Finalmente,
já bem depois dos 40, ele pediu a separação. Foi uma briga horrível, com os
filhos no meio, quem fica com isso, quem com aquilo. Ela sentia-se culpada. Uma
perdedora. Ele, vitorioso. A nova mulher estava bem abaixo de seu nível social:
era manicure. Acomodou-se aos churrascos com cerveja nos fins de semana, à
macarronada na casa da nova sogra. Passou propriedades para o nome dos filhos
da atual, para livrar-se de litígios com a anterior. Sem pensar que fraudava os
próprios filhos, todos contra a separação.
Agora,
anos depois, ele perdeu o desejo pela nova mulher. Sente-se obrigado ao sexo,
usa estimulantes. A novidade, a aventura passaram. Vive a rotina com uma mulher
que não admira. Às vezes a compara, instintivamente, com a anterior. E pensa:
–
Mas não tinha saída. Casamento sem sexo não existe.
Ele,
na nova vida, ela numa solidão autoimposta, sentem falta um do outro. Se davam tão bem!
Pode
parecer absurdo. Mas casamento sem sexo pode existir e ser feliz. Não é o
ideal. Mas simplesmente por que às vezes na vida a gente não se dá uma
oportunidade? E se pergunta: por que não? Em princípio, acho que sexo é uma das
maiores mentiras do mundo. Principalmente nestes anos pós-liberação, as pessoas
fazem questão de exibir a máxima plenitude sexual. Dignos senhores de 80 anos
de quem outrora não se cobrava nada adoram ser vistos com garotas de 20.
–
Fazem o quê? – eu me pergunto.
Ah,
sim, alguns são ajudados pelos estimulantes.
Velhas
se vestem como periguetes, pernas de fora e rosto imobilizado pelos
procedimentos estéticos.
Na
real, qualquer casal após alguns anos juntos faz menos sexo do que antes. Ou
nem faz. A exigência hoje é que todo mundo minta sobre a vida sexual. Que
aparente uma vibração adolescente. E, de fato, muitos casais se separam não
porque acabe o amor. É que um dos dois sente uma obrigação interior de
corresponder aos valores sociais. A ciência ajuda: assim como se inventou o
Viagra, já se cria uma pílula feminina para estimular o ardor. Não seria o
momento de repensar valores?
A
vida sexual não pode ser um valor em si porque acaba. Mesmo com a nova mulher,
o novo marido, um dia declina. Para os sortudos, dura mais. Mas o que agrega de
fato um relacionamento, e o torna inquebrantável, é um projeto de vida. Nossos
avós tinham, tão simples! Educar os filhos, casa própria, proteger-se diante
das adversidades. Encontrar um projeto de vida em comum é o seguro para
qualquer casal. Pode ser, sim, criar os filhos. Ou algo que não me ocorre no
momento. Alguns grandes homens têm uma grande mulher atrás de si, uma aliada. O
oposto também ocorre: muitas mulheres só crescem porque há um marido disposto a
alicerçá-las.
Casamento
sem sexo é possível, penso até que inevitável cedo ou tarde. Mas, sem projeto
de vida, impossível.
Por
maior que seja a paixão, ela tem prazo de validade.
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