Reimplantes



Quando se trata do corte de algum tipo de apego,
quanto tempo há para reimplantar aquela situação
antes que ela simplesmente apodreça?


Três horas. O que conseguimos fazer neste tempo? E se dobrarmos o período? Seis horas pode ser “um dia” de trabalho, o tempo que alguém passa em frente ao computador, uma noite de sono, a pintura de um quadro.

Este primeiro prazo é também o tempo que um membro do nosso corpo, como o braço, aguenta em temperatura ambiente depois de amputado até que possa ser reimplantado em sua vítima antes que entre em estado de putrefação. Para se chegar às tais seis horas é preciso mantê-lo em saco plástico estéril e cercado por gelo, em uma temperatura de 4ºC. Partes menores, como um dedo, podem ser conservadas por até vinte e quatro horas nestas condições. Mas nenhum destes períodos foi suficiente para David Santos Souza.

Notícia em todo o Brasil, os tempos de três, seis e vinte e quatro horas foram pouco para o ciclista que foi atropelado na capital paulista e teve seu braço decepado na colisão. O motorista sem noção, tão jovem quanto sua vítima, simplesmente arremessou em um rio o membro que caiu dentro de seu carro, após fugir do acidente. Os bombeiros tentaram encontrar o braço de David, mas lá se foram as horas limites para o reimplante.

É chamado de isquemia o tempo em que um membro amputado fica sem circulação sanguínea. No procedimento de reimplante, a meta é vencer o prazo máximo para que a circulação do sangue volte a ser possível. Para isso, é preciso uma cirurgia que reconstrua artérias, veias, tendões, músculos, nervos e todas as estruturas de um segmento amputado.   

As chances de sofrermos um acidente como o de David são tão reais quanto o ócio que vivemos enquanto compartilhamos a leitura deste texto. Mas enquanto algo nos poupa de uma situação como esta, tenho pensado nos tipos de “amputações” com as quais a vida pode nos surpreender.

Quando se trata do corte de algum tipo de apego, quanto tempo há para reimplantar aquela situação antes que ela simplesmente apodreça?

Uma amizade pode sobreviver após três horas de desapontamento sem conservação? Seis horas de raiva sobre a pessoa que amamos pode levar à perda do ligamento de respeito entre os dois? A frieza de 4ºC durante vinte e quatro horas de pensamento sobre alguém que te magoou pode com certeza fazer com que aquela relação nunca mais flua da mesma forma.

Com toda a tecnologia disponível, braços biônicos podem nos dar movimentos de novo. Sensores que captam o comando do cérebro refletido em nossa musculatura conseguem fazer com que os dedos artificiais movimentem-se com precisão. A única diferença – segundo depoimento de quem vive com uma prótese do tipo – é que não há sensibilidade.

Artifícios podem nos servir para conseguirmos cumprimentar alguém de quem já fomos muito próximos. Relacionamentos, melhores amigos, parentes e convívios amputados que hoje nos colocam na busca por possíveis formas de fazer com que a circulação volte. Mas em quanto tempo estas cirurgias devem ser feitas para que as chances destes reimplantes não se percam para sempre?

Ouvi falar que algumas pessoas que tiveram membros amputados são capazes de senti-los como se ainda estivessem ali, ligados naturalmente a elas.


Comentários

Rodrigo Ziviani disse…
Amizades são sinônimo de identificação. Depois da "amputação", sobram as boas lembranças e alguma consideração. O importante é não sofrer com esse movimento natural da vida. Mas o melhor mesmo do "VJ" agora é aquele gatinho lixando as unhas. Ótimo! Pense nele como a resposta para todas as aflições da vida. Lixe as unhas! Bjo!
Nada de sofrimento, apenas processos de adaptação.

Dá licença que vou seguir seu conselho e comprar uma lixa de unha rsrs. Bjo.
Obrigado, Lu.

Parabéns pelo trabalho. Beijão.