As boas mulheres da China

Na colant cor de rosa, justa e com detalhes em brilho, a chinesa mais sorridente do grupo subiu ao palco para seu solo. A maquiagem oriental, com um vibrante batom vermelho, ressaltava seu olhar tímido e o sorriso confiante. Em meio ao elenco do Circo da China, que se apresentou em Ribeirão Preto, destaque para esta bailarina.

A meia branca levava à sapatilha cujo a sola não tocava o chão. Na ponta dos pés, dançou suavemente acompanhada pela marcação musical e outro bailarino. Enquanto o cenário mudava atrás deles, novos chineses circenses se posicionavam para as acrobacias deste número. A cada final de movimento, a chinesa, baixinha e miúda, sorria para a plateia. Até o primeiro erro.



Na sequênia de movimentos “humanamente impossíveis”, a chinesinha subiu as costas do bailarino para equilibrar-se – somente com as pontas das sapatilhas – sobre os ombros do parceiro de palco. Então, o tombo.

A pequena caiu e logo se levantou discretamente para a nova tentativa. Ao final, a chinesa estava na ponta dos pés, sobre os ombros do rapaz, sem apoio algum. O equilíbrio perfeito arrancou aplausos do público, porém, o sorriso da artista não brilhava mais.

Com semblante nervoso, ela seguiu com o solo e passou às acrobacias com o restante do elenco. Desequilibrou-se mais uma ou duas vezes e concluiu o número com uma expressão tensa, diferente da que chegou ao palco.

Foi o melhor espetáculo que já assisti. Durante as duas horas de show no Theatro Pedro II, me emocionei a ponto de sentir aquele nó na garganta. Uma apresentação com recursos, porém poucos. A criatividade saltava (literalmente). A cultura da China reforçando as expressões dos artistas valia os R$ 100 cobrados na entrada – que paguei meia com a minha carteirinha fake de estudante.

Entre os pontos mais interessantes, a disciplina de cada chinês que entrava em cena. Todos iguais? Ao menos ali, naquela noite, não. Com gritinhos e susurros durante os números, eles mantinham a sincronia perfeita. Nas poucas vezes em que algo deu errado, aquele que errou saía de cena. Um aprendizado para muitos. Um reconhecimento da falha e uma discrição que podem ser úteis em nossas vidas. Errou? Não force a barra, saia de cena e volte depois.

Tais características me lembraram o livro “As Boas Mulheres da China”, que li ainda na faculdade. No título, a autora jornalista entrevistou mulheres de diferentes idades e condições sociais na busca de compreender a condição feminina precária na China moderna. E o resultado é triste.

Apesar de todo o avanço do oriente, o livro reúne histórias de mulheres vítimas de violência familiar e opressão nos tempos de hoje. Um conservadorismo retrógrado.

Lendo ao livro e assistindo à apresentação que comemora os 40 anos do Circo da China – e em especial ao solo da bailarina – ficou claro para mim a capacidade que o ser humano tem de fazer coisas brilhantes e ao mesmo tempo a forma como uma cultura pode desaparecer com um belo sorriso, caso esta pessoa falhe.

Comentários

Larissa disse…
Oi Má!
Td bem com vc?

Eu fui assistir o Circo da China em São Paulo: maravilhoso!
E outra, li tbm o livro "As boas mulheres da China", já leu?

Recomendo. Mto bom!
Parabéns pelo texto!

Bjos grande!
Blog VJ disse…
Lá, eu fiquei MARAVILHADO com tudo o que vi. Em alguns momentos nem sabia pra onde olhava no palco rsrs de tanta coisa bacana acontecendo ao mesmo tempo.

O livro "A boas mulheres da China" eu li e reli. Também recomendo demais.

Obrigado pela dica aos seguidores do VJ, Lá! bjos

Matheus